Paulo, inquilino do Credicard Hall de Moema
Em certa sexta-feira 13, data conhecida como “o dia do
azar”, esse escriba resolveu fazer uma de suas coisas prediletas: ouvir
pessoas. E a ordem das coisas pareceu se inverter. Viveu uma tarde de sorte,
pois ouviu de “um cara 13” – daqueles que se botam a conversar pelos cotovelos
consigo mesmos – várias histórias que fogem ao lugar comum do cotidiano. Num
diálogo monólogo (que perdoem a incoerência, mas só ele falou), o escriba, que
agora era ouvinte, descobriu um descendente de monarca hindu, que considera a
Música Popular Brasileira (MPB) um estilo de macumba e é crítico ferrenho dos
meios de comunicação. Passemos aos fatos.
Na cidade de São Paulo, pessoas são invisíveis. O que vale é
o tempo, pois ele sim enriquece. E que se dane a comunicação, que um dia foi vista
por Sócrates como a maior fonte de conhecimento do ser humano. Os diálogos
monólogos, considerados por muitos como loucura, talvez sejam a válvula de
escape àqueles “românticos socráticos”, que se veem cada vez mais a sós. Ao
menos para Paulo, essa foi uma saída. Ainda bem que ele não se preocupa em ser
visto como “13”.
A maioria das pessoas que passam em frente ao antigo
Credicard Hall de Moema, à Alameda dos Jamaris, quase sempre podem avistar um
homem de meia idade, em suas conversas consigo mesmo, com uma folha nas mãos,
chapéu na cabeça e alguns pertences no chão. Mas poucos saberão que ali, num
lugar coberto de folhas de árvores e atrás de uma banca de jornal, mora uma
pessoa que se divide entre devaneios mentais e visões de mundo complexas,
características que o tornam diferenciado.
Um pensamento me levou a ser diferente dos que tornam a história
de Paulo indiferente: “Descobre, desvenda. Há sempre mais por trás. Que não te
baste nunca uma aparência do real”. Fui descobrir o que havia por trás da
realidade de mais um cidadão paulistano considerado louco, mendigo, morador de
rua e que, certamente, não acrescenta nada para o espírito desenvolvimentista
dos habitantes da maior metrópole da América Latina.
O primeiro fato que chamou a atenção foi o conteúdo de
inúmeras folhas de propriedade do “cara 13”. Lá se encontram diversas críticas
aos veículos de comunicação, que segundo Paulo, “não obedecem aos preceitos
mínimos da democracia”. Após uma longa definição do que seria, para ele, um sistema
democrático, aconselhou: - Leia rapaz! Isso tudo eu escrevo porque quero
mostrar, ao mundo, a verdade sobre esses jornais. Tudo o que é escrito,
apresentado, lançado ao ar, precisa passar por um filtro. Os caras escrevem o
que bem entendem. Mas, os espertos leem, refletem e, depois sim, formulam suas
opiniões.
E era exatamente isso o que Paulo dizia em seus escritos.
Com um lápis, formula suas próprias teorias sobre ‘Rede Globo’, ‘O Estado de
São Paulo’ e, até, ‘The New York Times’. Sim, ele faz críticas aos jornais
internacionais, pois conhece, e muito bem, o idioma anglo saxônico. Para
provar, chama seu ouvinte para a banca, que está logo à frente de sua “casa”,
escolhe um jornal inglês, lê a manchete, explica o quer dizer e ainda traduz.
Questionado sobre como aprendeu o idioma inglês, ele, mais
uma vez, surpreende: - Eu aprendi com o meu pai. Ele me deixou uma herança.
Estou aguardando a justiça brasileira, que é lenta, me pagar.
O pai, segundo Paulo, foi monarca hindu. Para sair da monotonia
de ter súditos sempre aos pés, teria sido produtor de bandas famosas, como a
dos Beatles.
Voltando às críticas aos meios de comunicação, Paulo usa a
criatividade para “mostrar ao mundo a verdade sobre os jornais”. Por meio de
câmeras instaladas em seu quintal – no muro do Credicard Hall – que teriam sido
instaladas ali pela rede Bandeirantes, atendendo ao seu pedido, consegue
veicular ao mundo as suas teorias. Nesse dia, acabara de fazer uma tese, e
estava apontando para as câmeras. Segundo ele, “os expectadores estão
esperando. Você não está vendo que as câmeras estão filmando?”.
Mas é com o mesmo lápis e o mesmo tipo de folha de papel que
Paulo tira parte de seu sustento. Em uma espécie de cavalete, exibe desenhos
autorais, geralmente rostos. Quem lhe enxerga no ritmo alucinante de uma
capital movida pelo capital, descobre um talentoso desenhista. Suas obras
custam, em média, R$ 10. - É só para o meu sustento. Com a grana, vou até a esquina,
compro uma quentinha e sobrevivo, até o dia em que a justiça resolver pagar a
minha herança.
Durante os 30 minutos passados naquela calçada, passaram
dezenas de pessoas alucinadas. Alguns simplesmente passaram, outros acharam
estranho esse escriba estar ali. Em certo momento, uma pessoa interrompeu o
diálogo monólogo, pois veio buscar seu desenho. Já estava pronto.
O tempo passou, o Credicard Hall encerrou suas atividades no
local e as perguntas que sobram é: Ele conseguiu receber sua herança? Ainda mora
lá? Continua veiculando suas teses pelas câmeras da Bandeirantes? Seus desenhos
obedeceram à lógica do mercado financeiro, ou seja, sofreram aumento de preço?
Quem sabe esse escriba se livre, em algum momento, da
correria pelo capital, e consiga passar mais 30 minutos dialogando com o “13 de
Moema”.